segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

(Escrevi esse texto por coisas que tenho escutado, como desejos de expressão, de se mostrar, de se fazer. E, mais ainda, por aqueles que vêm me dizendo "gostaria de escrever assim". Espero que tenha conseguido passar a mensagem!)

Já tentei muitas vezes escrever romances. Mas tudo que consegui fazer até hoje, e muito pouco, foi reproduzir um bando de histórias que passaram pela minha vida e se misturaram, eu querendo ou não. Mas tudo que consegui fazer até hoje foi misturar as dores. Foi entrar em uns sonhos, cair em uns segredos, olhar nos olhos de olhos tristes. Foi tudo!
Erico lembrava que os escritores tem habilidades e debilidades. Acho que a habilidade, confesso, me falta. Mas a debilidade, talvez não.
Confesso, não sei transpor para o papel essa real- criada ou não- arte do encontro. Não sei fazer, porque não consigo abraçar a grandeza do encontro, a tristeza do desencontro. São grandes demais pra mim. E esta é a habilidade de um escritor, ainda mais de um romancista: o tamanho do abraço. Eles agarram a imaginação, caem, se jogam nela- e sabem, nos grandes casos- não se afundar rapidamente nisso. E, sim, irem se afundando aos poucos, conhecendo, explorando. E o meu abraço não tem esse tamanho sem fim. Eu tento, mas o impacto da criação é enorme pra mim. Aliás, o impacto da vida é. E criar é isso- viver uma história, mais uma e mais uma, infinitamente. E essa habilidade não tenho- essa capacidade de lidar com o que passa do que não se vê- não tenho. As poucas vezes que tentei- que criei- fui fundo- me machuquei. Foi uma tentativa disfarçada, até pra mim, de desvendar uma história que já existia. De talvez pegar a dor dessa história que já existia pra mim- tirar de quem sofria. E acho que aí vi, mais uma vez, uma das habilidades dos romancistas que não tenho: eles têm os ombros largos, um peito aberto e fechado ao mesmo tempo. Vivem a dor, mas a arte da dor- e não a dor em si. E eu- eu não sei fazer isso.
Tem um livro do Rubem Alves que se chama "Ostra feliz não faz pérola". Vi esse livro vindo da Pinheira, na estrada. Me encantei com o nome. Dizia assim- "Ostras felizes não fazem pérolas. Pessoas felizes não sentem a necessidade de criar. O ato criador, seja na ciência ou na arte, surge sempre de uma dor. Não é preciso que seja uma dor doída. Por vezes a dor aparece como aquela coceira que tem o nome de curiosidade." Achei lindíssima a definição.
E vindo pra Porto Alegre- pensando nisso- me veio a frase do Erico- aí que me veio. E aí descobri uma pelo menos daquelas possíveis debilidades de que falava: a dor. A dor sentida na essência dela e transformada no que for. E foi quando vi que mesmo sem as habilidades, tinha pelo menos uma das debilidades.
Nunca escrevi uma linha sequer sem um aperto no peito ou sem um nó na garganta; sem lágrimas nos olhos ou sem uma vontade de confessar-se; sem admiração, sem afeto, sem carinho, sem lamento- Nunca escrevi! Muito me senti quando li aquilo. Sorri! Como um raio de luz, de repente vi uma esperança de um mundo com gente que expresse- gente que precisa expressar, e expresse na criação. Que tranforme a dor em criação, em arte. E digo arte- qualquer arte. De repente vi um desejo imenso de criação de muitos por aí.
O que quero dizer é que vi em tantos de nós, muito daqueles que criam. A parte da debilidade. Aquela que faz com que o autor acabe no texto- que bota o sentimento- aquela que é a dor. Vi isso!
E nisso, um oportunidade imensurável de expressão- da gente- da gente que não sabe criar a perda, o ganho, mas sente forte ele, ela, aqui dentro. E expressão- uns quadros mal pintados no fundo de casa. E expressão- uma música composta e não lida por ninguém. Expressão- uns textos no fundo de uma gaveta.
Conheço uma pessoa que dizia escrever às gavetas. E falava com seriedade- sendo que escrevia e ainda escreve coisas dentre as mais bonitas que já li. Não sei o que dizer- mas se a beleza sabe viver dentro de uma gaveta, por que a dor não saberia?
E não só a gente merece se colocar no mundo- se reconhecer um pouco criador.... Como a própria dor, sozinha, também merece um espaço. E não precisa ser um espaço rodiado de habilidade, nem de olhos. Pode... pode sim ser um papel no fundo da gaveta, um arquivo perdido no computador, uns textos postados em um blog.
Não tenho a habilidade de quem cria, de quem imagina já com um lápis na mão. Mas tenho a esperança de quem imagina imaginando que imaginem também.
Acho a habilidade de quem escreve romances ou o que for, que encanta o mundo, algo que não sei dizer- acho sublime! Alimenta a minha alma.
Mas, mais do que isso... Acho as debilidades desses que encantam o mundo, tão sublimes quanto! Porque são as debilidades daqueles que simplesmente sentem. E o sentir- sentido de tantas e tantas maneiras- é simplesmente o "sentir".
O que digo com tudo isso, é que essa alma merece- merece muito- alívio. As debilidades exigem muito o alívio. E pra que haja alívio, não é preciso que haja habilidade alguma por trás. Não é preciso. Aliás... Tudo que é preciso é o impulso vital de se fazer, de se sentir. E, se necessário, uma gaveta pra guardá-lo depois ou uns olhos pra ler, como os meus...
R.A 17/02/11

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