sábado, 30 de outubro de 2010

Eu sei e você sabe...

Oi... Tá aí? Olha, eu sei que não podia tá aqui. Sei, sei, sei. Mas é que eu tenho uma coisa pra te perguntar. Tá, eu sei, vou me arrepender. Mas vou fazer, e vou fazer agora, porque nesse exato momento em que tu respiras, eu sufoco. Olha, vou fazer só porque algo em mim pede, implora que eu faça, ok? Só por isso. Não é nenhum tipo de capricho, ou coisa do gênero, te garanto, de verdade. Mas, enfim, preciso te perguntar uma coisa. Queria que tu não risse, ou que risse, tanto faz, mas que lesse palavra por palavra, e juntasse depois todas elas, devagar, bem devagar, tentando sentir o que eu sinto agora... tentando sentir o sufoco que isso tudo me traz. Olha, tudo o que eu quero saber é se posso sentir saudades de ti. Pronto, falei. É isso. Só isso que quero saber! Mas eu quero saber de verdade, ok? De verdade mesmo, porque eu sinto isso de verdade, e quero deixar-me sentir de verdade. É que tu sabes, não preciso te dizer que sou presa, quase a mim e quase a ti. Preciso de um empurrão e, às vezes, meus braços se recolhem e se negam, simplesmente assim, se negam a trabalhar, a empurrar... E daí fico eu aqui precisando daquele empurrão. Nossa, queria, de verdade, saber se posso. Porque de todas as vezes que não soube se podia, tu me deu a resposta que precisava ouvir, que sabia que ia ouvir, mas que fechava os ouvidos, e só abria pra ti. Entende? Eu preciso dessa resposta, porque eu preciso me sentir mais livre nesse caminho, nesse caminho de sentimento. Eu preciso simplesmente porque me chamam e eu não saio do lugar, porque tenho medo e mais medo, e mais medo de não te encontrar nem na saudade depois, porque não vou deixar, eu sei. Porque não me deixo sentir. Não, não, não... não me deixo. Mas, ao mesmo tempo, não só sei como sinto que se me disseres que posso ir, que poderei continuar sentindo por ti sentimento, puro sentimento, sei que vou... É que, nesse inteiro, sou nada mais que tua criança... tua criança esperando que digas "vem, eu deixo...", "vai, tu podes...".
R.A 30/10/10
Tenho medo. Não sei se é exatamente um medo, ou se é apenas um desconforto. Enfim, tenho um medo. Um medo estranho, confesso, pois pode ser muito óbvio, ou pode ser muito mais que isso. Bom, mas tenho um medo. Sabe todas essas linhas que escrevo dia após dia? Tenho medo delas, é delas de que tenho medo. Medo do que faço com elas, e medo do que elas poderão fazer comigo. É, é exatamente isso que lês. Tenho medo do que eu mesma escrevo. Pois sei, apesar de fingir que não, que posso escrever de tudo, um tudo, mas sempre vou estar dizendo a mesma coisa. Disso tenho medo! Tenho medo desse infinito que eu mesma crio, e vou criando, e sustentando, alimentando... Pois, sei: sei o que sou, e sei o que deixo de ser também porque ainda não posso ser. Só que, inevitavelmente, no papel faço fusão, faço junção. Enlaço-me, deixou-me uma só. E tenho medo disso! Tenho medo de misturar-me. Tenho medo de tocar no que não estou pronta, mas que sei, jogo no papel todo dia porque também faz parte de mim. Tenho medo disso, bastante medo, pois, querendo ou não, fico sujeita, todo minuto, a um encontro a outra parte de mim que ainda não tenho um lugar para sustentar. Entende? Tenho medo. E é medo de encontro. Tenho medo do meu encontro. Tenho medo de um debate. Tenho medo de uma explosão aqui. Tenho medo da falta de espaço, tenho medo do sufoco... E, ainda, tenho um medo maior: medo de nunca encontrar... e ficar um vão aqui, tudo apenas no papel. Enfim, tenho medo é de ter criado um outro lado. Tenho medo de que seja só, de que eu seja só, e de que não haja outro lado algum de mim. Tenho medo é do tapa na cara, tenho medo do vazio, tenho medo da solidão... tenho medo é disso: decepção.
R.A 30/10/10

Ao som de Tom Jobim

Manhãs bonitas como esta despertam coisas aqui. Ou melhor, manhãs como esta, apenas isso. Por quê? Porque nem vi se faz sol, se há nuvens, se há pessoas pela rua. Não sei se a manhã está bonita. Só sei que senti algo bonito, só isso. Então a manhã, talvez nublada, passa a ser bonita, também, como todas as outras coisas em ti que, talvez nem tão belas, despertam algo em mim. Ah, o que despertam? Ah, tanto... Aliás, este é um bom comentário a se fazer: quando sou despertada, é como um susto. É como se tudo voasse de mim. Sou amena, sou carente, sou quase tomada pelo meu olhar que pede encanto e mais encanto. E, de repente, sou nada disso, sou um eu a mais de mim. É, engraçado isso. Amo o meu equilíbrio. Mas, amo mais ainda o fato dele, de vez em quando, se render a esse desequibrado, literalmente falando. Porque, quando rendo-me, sou tudo, e sou quase nada: sou essas palavras que tu lês, sou perdida em pensamentos, sou um amor que não se tem, e sou eu, essa pura construção que peço, imploro que não se acabe, que não se acabe, que não se acabe...
R.A 30/10/10

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Aqui

Tenho um quarto para arrumar. Tenho. E neste quarto tem tanto, tanto... Tem tanto, que diria ter até a mim. Mas não, não é um quarto qualquer, como um cômodo perdido pela casa onde ficamos parte do tempo e saímos horas depois, assim sucessivamente. Não, este é um quarto especial, de verdade. Sim, também saio, também volto horas depois... saio e volto. Mas, ao sair, sinto não só deixá-lo. Sinto deixar-me também. É engraçado como conto, em muitos contos, o quanto me deixo, não? Eu acho. Aliás, acho tanto que diria que não mais engraçado é, é parte, parte deles, dos contos, como parte de mim, deixar-me. Mas, como ia dizendo... quando o deixo, não sinto só deixá-lo. Acho que pensas, de novo, como acontece... Vou te explicar: nele me encontro. Nele, dia após dia, me encontro mais e mais. Ou, às vezes, nele, dia após dia, sinto perder-me mais e mais. E não só a mim. Perco a ti. E encontro a ti também. Em que? Ah, papéis perdidos, caixas, palavras... pensamentos. É que nele sou eu. Sou inteiramente eu. Deixou-me ser, novamente. Ou melhor, deixo-me encontrar a mim mesma. Compreende? Nele, perdida em coisas soltas, sinto-me ao alcance dessa vida que corre, porque posso parar. Estranho alcançar algo parando, não? Sim, acontece. Principalmente quando se fala de viver. Mas, bom, falava do quarto. Falava do quanto é especial... Sabe, diria que é tão especial, que pra onde for, o levarei... mudanças longas, é claro. Porque digo, ainda, que talvez não sobrevivesse, ou sobrevivesse, só que não tão bem, longe dele, já que ele leva um pouco, um pouco bonito de mim. Vou ser clara, ok? Tenho um quarto pra arrumar. Um quarto que carrega a mim e a tudo que carrego de ti. Tenho um quarto pra arrumar que representa quase a bagunça que tu lês agora. Enfim, tenho um quarto que pede pra ser limpo... que pede pra ser mais limpo, que pede pra ser mais livre. É, eu tenho um quarto aqui... sim, estou nele, e ele está em mim. Porque, não sei mesmo te dizer se este quarto é onde estou, o que me rodeia, ou o que eu rodeio. E, pede pra ser limpo: este, onde estou, pede que eu tire o pó, que eu junte os papéis, que eu limpe o apontado do lápis, que eu volte a arrumar a cama, que eu volte a dormir na cama... que eu volte pra ele, e que eu volte pra mim, enfim.
R.A 29/10/10

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Que bom!

Que bom! Que bom! Que bom!
Que bom que o sol volta amanhã...
Que bom que eu volto amanhã...
Que bom que tu voltas, e que bom, mesmo, que nós voltamos juntos...
Que bom tudo! Que bom, que bom, que bom...
E sabe o que mais? Que bom nada!
Sim, sim, sim... Até o nada volta, até o nada nos conforta!
E sabe por quê? Porque o nada é apenas um tudo disfarçado pedindo pra existir...
E que bom! Que bom que nada é um nada por completo, e que bom, ainda, que se amanhã nada eu voltar, ou nada tu voltares, ou nada voltarmos juntos, eu vou saber: NADA não... “É só um tudo disfarçado!”.
R.A 21/10/10

Fuga

Odeio adormecer. Odeio, odeio, odeio. E não adianta, meu corpo pede, implora, chegar a me deixar de vez em quando... mas não, não adianta, eu continuo odiando. Por quê? Porque eu odeio ME deixar. Odeio ficar longe de mim, sem qualquer tipo de ligação que me prenda a esse interior que me move. Tá certo que não sou das mais presentes, das melhores amigas, daquele tipo de pessoa que se ama 24 horas por dia. Não, não sou. Não sou presente por inteiro, e já disse isso várias vezes. Não me amo tanto assim e, também, não sei dizer se sou minha melhor amiga, quiçá se sou boa amiga. Creio, sinceramente, que sim, sou. E isso simplesmente porque no fundo, talvez nem tão fundo, deixou-me ser o que sou. Apenas por isso! Mas, como ia dizendo... odeio adormecer! Podia, sim, dar motivos mais "convincentes", do tipo "tenho medo de não acordar" ou "acordar é muito difícil" ou, simplesmente, "odeio". Mas, não, não posso. Odeio por um motivo grande e este motivo sou eu. Odeio por mim. Por uma parte não tão pequena de mim. E porque essa parte é sozinha, e quando adormeço, a deixo. Talvez propositalmente, creio. Mas, ainda odeio adormecer, porque ao voltar a mim de novo, ela continua ali, só que, dia após dia que passa, a impressão que se cria é que ela está cada vez mais sozinha, a outra parte de mim. Por isso odeio adormecer, porque a impressão que tenho é que, ao deixar-me, dou liberdade ao vazio, e ele simplesmente se espande mais e mais, e na volta me cobre de dor. Por isso odeio adormecer! Porque, enquando vivo, ciente de que vivo, ainda consigo controlar o vazio, e consigo fazer dele uma parte da parte talvez inteira de mim. Entende? Odeio adormecer, porque enquanto vivo, finjo, fujo.

R.A 27/10/10
Não tenho ideias para livros. Não, isso não. É que a literatura em si exige mais que a ti mesmo. E eu não tenho mais que isso pra dar. Tenho a mim, e só. Aliás, há vezes que nem a mim por inteiro creio ter. Porque, às vezes, sou mais tua do que minha... Sendo tu quem for. Aliás, ainda, às vezes menos que metade de mim sinto ter e ser... Porque além de tua, além de minha, sou da vida..., sou das palavras, sou dos dizeres... E não me mato, me puno por isso, por me deixar. Muito pelo contrário. Com isso me criei uma pessoa mais livre, mais aberta, mais cheia de vontade de viver... Porque além da vontade de analisar, descobrir o externo, o próprio interno passa a me atrair, e tenho, assim, dois mundos a explorar. E, verdadeiramente, posso e passo a dizer: "inteira não, completa, sim".

R.A 24/10/10

DÁ NAMORO OU VAI PRA BARCA?

PERSONAGENS
JULIETA (“Romeu e Julieta” de Shakespeare)
DIABO (“O Auto da Barca do Inferno” de Gil Vicente)
DANTE (“A Divina Comédia” de Dante Alighieri)
DOM QUIXOTE (“Dom Quixote” de Miguel de Cervantes)
MAQUIAVEL
LEONARDO DA VINCI

DIABO - Olá, olá... Estamos aqui hoje com mais um “dá namoro ou vai pra barca?”. E temos aqui uma convidada super mega hiper especial: Julieeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeta! Levante-se Julieta, por favor. Sorria para a plateia.
Rá, mas temos aqui hoje, também, outros quatro ilustres participantes. Hum... E quem, e quem será que vai conquistar o coração da nossa encantadora Julieta?
E já falando em Julieta, que tal começarmos por você, minha amada?
JULIETA - Ah Diabo, estou tão triste...
DIABO - Minha encantadora Julieta, fale sobre sua história...
JULIETA - Ah, tudo bem... Me desculpe, mas é que eu realmente ando bem desolada ultimamente, ou nos últimos 400 anos.
DIABO - Então conte-nos a sua história.
JULIETA - Sabe, eu fui muito infeliz na minha história. Aliás, se alguém vir o Shakespeare, diga-lhe que quero matá-lo.
DIABO - Matá-lo, minha cara... Mas por quê?
JULIETA - Aquele poeta idiota inventou de fazer drama e olha o aconteceu comigo?
DIABO - Mas o que aconteceu com você?
JULIETA - Se tu me deixasses contar minha história...
DIABO - Ah, pois bem... Conte-nos então. (risadinhas)
JULIETA - E como eu ia dizendo, aquele idiota do Shakespeare fez do meu o mais infeliz dos dramas. (choro)
DIABO - Ah, minha cara, não chore. Conte-nos sua história...
JULIETA - É o que eu estou tentando fazer, figura do inferno.
DIABO - (risos) Como tu és engraçada, Julieta amada.
JULIETA - Bom... E eu amava meu Romeu, mas nossas famílias, sim, se odiavam. O que tornou a história bem mais emocionante, tenho que confessar. Só que chegou tal dia que aquele infeliz do Shakespeare decidiu tornar tudo um dramalhão mexicano, e meu Romeu... (choro)
DIABO - Bravo, Bravo, palmas para a Julieta.
JULIETA - Mas eu não acabei...
DIABO - Bravo, Bravo!!
JULIETA - Mas...
DIABO - E agora, e agora? Candidato número 1, taurino, 541 anos... Quem será, quem será?
Palmas para o candidato um.
MAQUIAVEL - Obrigado, obrigado.
DIABO - Nos dê a honra de sua história, por favor.
MAQUIAVEL – Bom dia! Eu estava pensando aqui em uma das minhas obras políticas, e percebi que o Estado não entende o próprio Estado como ele é e muito menos como deveria ser.
DIABO - Candidato número 1, essa história a gente já conhece, troca o disco... rá, rá, rá.
MAQUIAVEL - Mas isso é desolante!
DIABO - Querido número um, o programa é amoroso, não é debate político, então, por favor, nos dê a honra de sua história.
MAQUIAVEL - A minha história é a política. Eu nasci no período mais conturbado politicamente da minha época na Itália, mas fui tão bem sucedido em análises, que nem aquele idiota do Médici conseguiu torturar meu ser.
Mas minha cara Julieta, tenho algo a confessar-te.
JULIETA - O que, o que?
MAQUIAVEL - Sou um apaixonado! Tu já leste minhas obras?
JULIETA - Ah, meu caro, mesmo se soubesse quem tu és não leria tal coisa.
MAQUIAVEL - Mas como? Nunca fui tão insultado em minha vida inteira.
Eu, tão cheio de dores e torturas, e rejeições.
Como tu ousas, jovem, insultar o criador do Príncipe?
TODOS OS PERSONAGENS - Maquiavel?
MAQUIAVEL - Eu mesmo, desolado com a vida. (choro)
DIABO - Não, não fique assim. Julieta está sensível...
JULIETA - Sensível? Eu estou é indignada. Esse tal aí chega aqui achando que pode me conquistar falando de política e eu que estou sensível? Sensível vai ficar é ele de ir para a Barca Do Inferno. E me dá isso aqui, Diabo. (Julieta pega o Tridente)
Vai, vai, vai...
MAQUIAVEL - Nunca fui tão insultado na minha vida inteira. Eu? O “Pai Da Política”.
JULIETA - Vai, vai, vai...
MAQUIAVEL - Diabo, eu preciso de uma companheira.
JULIETA - Então vai arranjar no inferno. Vai, vai... Nunca fui com a cara dos taurinos mesmo. Meu Romeu era capricorniano...
DIABO - Acalmemos os ânimos, crianças. E Julieta, me devolve isso.
JULIETA - Não, não, não! Quero ficar bem preparada para o que vem pela frente.
DIABO - Rá, rá, rá. A Julieta não é um amor, candidato número 2? Ariano, 558 anos, conte-nos sua história, e pelo amor do diabinho aqui, não fale de política.
Candidato dois?...
Candidato dois?
Candidato número dois, nos dê essa honra.
(candidato número dois pintando um quadro)
Candidato número dois, onde está você?
(diabo vai até Da Vinci)
L. DA VINCI - Ah, olá! Pinto Julieta num lindo quadro para presenteá-la como prova de minha genialidade diante de todos os outros.
JULIETA - Quadro, pra mim? Oooooh, que lindo! Este, então, deve ser o quadro mais lindo do universo, creio eu.
DIABO - Eu não teria tanta certeza...
JULIETA - Como disse?
DIABO - Não, nada. Mas querido número dois, por que enquanto pinta não nos engrandece com sua linda história?
L. DA VINCI - Ah... Eu? Eu fui um gênio.
JULIETA - Ai, que lindo! Modesto como eu.
L. DA VINCI - Obrigado, querida. Mas como ia dizendo... Amei de tudo um pouco: a ciência exata, humana, o corpo... Tudo me fascinou.
Mas Julieta me dê a honra de presenteá-la com minha linda obra, representando-te.
DIABO - Não, não... Isso não.
Como eu já disse, a Julieta está muito sensível hoje.
Pelo teu bem, não faça isso, meu amigo.
JULIETA - Mas por que, Diabo? Encantei-me com tal gentileza.
Meu Romeu era assim também: gentil, educado, inteligente e modesto acima de tudo.
Se apresente a mim, candidato dois, por quem já começo a encantar-me.
DIABO - Ai meu santo, isso vai dá morte.
(Da Vinci vai até Julieta)
L. DA VINCI - Como prova da minha superioridade, te representei mais linda ainda...
DIABO - Nãoooo...
JULIETA - (grito)
L. DA VINCI - O que foi, cara Julieta?
JULIETA - Cruz credo! Que mulher horrível...
L. DA VINCI - Como ousas, jovem? É tão bela quanto tu és.
JULIETA - Que insulto! Nunca fui tão insultada em toda minha vida. (choro)
DIABO - Porque choras, Julieta?
JULIETA - Dá pra me deixar encenar pelo menos uma vez? Eu sou personagem de drama, “pô”.
L. DA VINCI - E eu que fiz com tanto amor e carinho...
JULIETA - Amor e carinho? Me chama de feia, mas não me chama de burra. Isso aí é pura têmpera.
L. DA VINCI - Oh, que insulto! Não me interpretes mal...
JULIETA - Mal? Tu vai é pra Barca Do Inferno.
Nunca fui tão insultada em toda minha vida: Gorda, caruda, dentuça...
DA VINCI - Insultado fui eu em inspirar-me pra pintar um ser tão cheio de inferioridade.
JULIETA - Ooooh...
Vai, vai, vai... E não volta nunca mais! E também nunca chegues perto do meu Romeu se não quiseres morrer...
DIABO - Eu disse que isso não ia dar certo.
JULIETA - Próximo!
DIABO - Julieta, essa fala é minha.
JULIETA - Me estressei, diabo, me estressei.
DIABO - Mas nos acalmemos.
Candidato número três, capricha aí, pelo amor do diabo aqui.
563 anos, libriano...
DOM QUIXOTE - Sou famoso pela tristeza que carrego em minha armadura, sou eu o cavaleiro da triste figura.
DIABO - Tua história, candidato...
JULIETA - Mas eu gosto de poesia... Meu Romeu...
DIABO - Pode continuar, candidato...
DOM QUIXOTE - Sou um homem muito sonhador, talvez a imagem mais heroica que já existiu no mundo cavalheiresco. Amo os livros de aventura. Até o último que eu li era bem estranho, sabe... Hum, acho que Harry Potter.
JULIETA - Sério? Não me encanta muito, achei muito afeminado aquele garoto. E que história mais estranha...
DOM QUIXOTE - Mas para mim, também. Por isso que digo, nada como minha figura triste, indo bravejante, eu e Rocinante, e meu amigo Sancho, enfim, atrás de minha amada Dulcinéia.
JULIETA - (choro)
DIABO - Ai, meu diabo... Porque choras desta vez, Julieta?
JULIETA - Me emocionei...
DOM QUIXOTE - Me sinto sozinho, sabe... Careço de meu amigo, de meu bravo cavalo, de minha espada e de minha amada.
DIABO - Ah, não... Pra Barca! Não aguento mais drama... Vai, vai.
JULIETA - Lute com ele, meu bravo cavaleiro!
DIABO - Enlouqueceu, Julieta?
DOM QUIXOTE - Não lutarei, Julieta. Não é atitude dígna lutar com um ser de tão baixo calibre como tal.
Vou, enfim, atrás de minha amada na Itália, terra dos heróis, dos gigantes... (sai Dom Quixote lutando com o ar)
DIABO - Isso, isso. Já vai tarde...
Mas gente, isso aqui hoje está pior que a Barca do Inferno em dia de sacrifício. Só tem louco...
E agora, pelo amor a vida que tu tens, candidato número quatro, fala alguma coisa coerente. Se não eu mesmo vou te tocar pro inferno...
Geminiano, 745 anos...
DANTE - Eu sou um ser incompreendido.
Busco minha amada em uma obra...
JULIETA - Oh, que lindo! Eu também...
Mas me conta, como é tua dor?
DANTE - É dolorida, mas não perco as esperanças. Sabe, fui ao inferno atrás dela, encontrei até Virgílio. E se eu tiver que voltar lá, voltarei.
JULIETA - Ah, eu posso ir junto? Não perdi as esperanças de encontrar meu Romeu na eternidade ainda...
DIABO - Poxa, mas a coisa está ruim hoje mesmo...
Qual é a parte que vocês não entenderam que a moral do programa é a conquista? Isso aqui não é a casa da Mãe Joana, e muito menos o confessionário.
DANTE - Pera aí, eu te conheço de algum lugar.
DIABO - Sim, né. Eu sou o diabo.
DANTE - Ah, meu caro, imploro-te que me digas se vistes minha amada!
DIABO - Querido, eu sou o Diabo do Gil, não do Dante. Não confunde mais...
DANTE - Ah, mas ainda te pergunto...
DIABO - Não, não vi. Não vi ninguém... Nem amada, nem Romeu, nem ninguém...
E vamos logo com isso, que está demorado, né?
JULIETA - Mas me conte mais sobre sua jornada de amor que lembra tanto a minha dor...
DANTE - Eu sou minha própria representação, me criei a procura de mim.
JULIETA - Oh, que lindo! Meu Romeu era poético também.
DIABO - Ah, não... vão para o inferno!
JULIETA - Quer saber de uma coisa, diabo? Vamos mesmo... Romeu e a amada do jovem nos esperam...
DANTE - Prazer, Julieta. Sou o Dante...
JULIETA - Muito prazer, mas me conte mais...
(vão saindo os dois para a barca e fica o diabo sozinho)
DIABO - Querem saber de uma coisa? Eu é que não volto pra lá... (Diabo aponta para a barca) Que bando de loucos! (Diabo vai para o outro lado).
R.A (Projeto "Encontro de personagens"- Literatura 1º ano CMPA)

Os laços... Os nós...

O que se faz com os laços quando tudo começa a se perder, e só o que fica são os nós? Sabe... O que se faz quando aquela parte bonita da fita perde a cor, e aquele amarrado que a gente fez há anos atrás começa a aparecer por trás do delicado, bonito, totalmente criado, forjado? Hein, o que a gente faz exatamente? Deixa a fita se soltar de vez, cortando aquela última pontinha que ainda faz a ligação? Ou não. Ou a gente simplesmente vai fazendo mais e mais nós, até tudo ficar tão enrolado, que a gente nem querendo consegue soltar? É, a segunda opção é realmente bem mais pertinente, bem mais... Bem mais o que, hein? O que a gente fez com a beleza do laço? Hein, o que gente fez? A gente destruiu. E a gente quer fingir que não... Mas, sim, a gente fez. E agora? E agora faz o que? Finge que não fez... Finge que é lindo como antes? Como assim? Cansei, sabe! Cansei de ficar fazendo nós e mais nós e mais nós, infinitamente, e depois parar e ver aquilo tudo e ainda dizer: “nossa, que lindo! Eu consegui deixar aqui... o laço!”. Cansei! E sabe por quê? Porque do laço não me sobra nada, nunca. O que me sobra é a dor, a falta daquela beleza que deixa a vida mais bonita, sempre. É isso, cansei pela beleza, isso mesmo! Porque do que me adianta ter um bando de fitas, laços, adornos pendurados, se em cada ponto, canto, palavra dita, tudo o que me resta é a dor, e só?
R.A 05/09/10

Onde está o começo? Onde está o fim?

Não restava nada. Nenhum detalhe... Está escuro, e só. O que se passava na minha cabeça aos nove, penso todo dia... É que a única lembrança é tão explosiva, ou implosiva, que me delimita qualquer outro tipo de pensamento. Tudo aos nove é um raio de memória, uns gritos, e um corte. O corte, apesar de profundo, é mais estreito que o normal. É como se toda dor se restringisse a um só ponto, em uma só fincada. E eu me remexo na cama dia após dia, noite após noite, segundo após segundo, à procura dessa falta do perdão que me corrói. Sabe... Eu não sei, sinceramente. Sei que a vida é engraçada e dolorida quase que ao mesmo tempo. Sei, também, que só escrevo porque tento, minuto a minuto, encontrar paz, interior, paz interior, e só. Porque eu poderia contar das coisas completas, das coisas que me completam, do céu azul, de como o sol me faz bem... Mas não, escrevo porque há dor, há mágoa, há frieza demais... E eu fujo, e na fuga me perco. Eu sei... Eu sei de tudo. Eu sei do início, que tanto me causa dor. Eu sei do fim, que tanto me é familiar, e sei, também, de todo resto. Todo resto! Sei o que me falta, sei do que sinto saudade... Sei por que não durmo, porque amo tanto o lado de lá da vida, e sei, ainda, o que não tem aqui e eu gostaria mais do que tudo ter. Então me diz... Em que parte me cabe parar para chorar se a cada pedaço de mim eu sinto aquela dor penetrar devagar cada vez que eu me afasto mais? Me diz, porque se o escuro tanto me atormenta, eu permaneço aqui? Já faz tantos anos... Mas o que são três, quatro, cinco anos para a perda? Talvez uma vida não seja nada. E o que se faz com as trocas que vêm com o tempo? Ou melhor, o que se faz com o tempo? Permite-se chorar...? Ou esconde-se atrás dele? E eu me remexo mais... E mais, e mais... Ao deitar todo dia, penso: hoje eu vou parar. É... Mas a gente não para é no fim? E o fim? Onde é o fim? Tem um fim? Eu quero um fim! E eu juro... Eu juro que eu queria perdoá-lo. Eu juro, mas minha alma não me permite. A parte quebrada dela não me permite... Não sei. É que eu só queria um fim pra esse conto, para a falta desse amor, para o incompleto que há dentro de mim. Eu queria paz, queria distância, e queria ainda inexistência. Ou seja, eu só queria de tudo, um nada, enfim.

R.A 04/09/10

domingo, 24 de outubro de 2010

Carência de ti

Careço de calma
Careço de alma
Careço de canto, recanto
Careço de desencanto...
Careço de entendimento
Careço até de sentimento.
Careço de querência
Careço de ardência no peito
Careço de paciência
Careço até de ausência.
Só que não careço é de carência...
Carência de rima, poesia, leitor
Carência de paterno, materno
Amor, interno
Carência de carinho
Carência até de ti.

R.A

Cativa-me

Cativa-me com teu sorriso,
Que procuro o meu
Perdido em versos
Só pra ti.
Cativa-me com teu olhar,
Que procuro o meu
Perdido em linhas
Só pra ti.
Cativa-me com tuas palavras,
Que dedico as minhas,
Perdidas, sem poesia
Só pra ti.
Cativa-me com teu silêncio
Que oferto o meu
A todos, menos a ti.
Cativa-me, cativa-me, cativa-me...
Que finjo tudo, enfim
Menos repúdio por ti.

R.A

Diálogos- II

O que é a presença, perguntou-me um amigo certo dia.
Surpreendida, respondi:
-Depende...
-Depende? Depende do que?
-Da ausência...
-Ah, então ser presente é não ser ausente?
-Muito pelo contrário...
Olhou-me então surpreso... E respondi:
-Tua presença é o tamanho da tua ausência por dentro.

R.A (02/09/10)

Fragmento I

E eu saí correndo ao teu encontro. Na verdade mesmo, eu nem pensei no encontro, nem na dor (ah, a dor...), eu pensei somente em ti, e como tu confortavas tudo em mim. E eu corria, corria devagar, devagar, mas corria, porque forças me faltavam, e eu soltava passos leves, forçados passos, ao teu encontro. Mas correndo... a dor corria, e corria de cada canto do corpo para mais uma daquelas pontadas, fisgadas, fincadas no coração. E doía tanto, mas tanto... Sangrava, e nem forças para gritar eu tinha. Só sabia mesmo era do teu encontro. Não sei porque tu, só sei que era tu. E era, sim, de alma. Como eu, que parecia perder a minha ao não te encontrar. Mas não sei mesmo porque era tu, e porque eras tanto, e porque te amava tanto naquele momento em que nada no mundo era amor. E eu corria, corria ao teu encontro, sei lá se fazia chuva ou se fazia sol, só sei que encontrei, no fim, portas abertas, e eu corri mais, corri para o teu abraço, abraço só teu. Porque tu eras, naquele momento, o que ninguém nunca foi, o que jamais soube explicar, já que a dor não passou, nunca passou, nunca passará, mas, mesmo assim, parei no teu abraço e me calei, enfim, naquela resposta que só tu teve: "eu não sei... só precisava de ti, só isso".
R.A (22/04/10)

Fingimento

Eu finjo. Finjo mesmo. E finjo de tudo um pouco. Finjo amor, finjo raiva, finjo sorrisos, finjo carinho, e finjo até a falta de tudo isso. É que eu cansei, entende? Cansei das poesias prontas, formadas, formatadas e sem ato poético nenhum. Porque a vida não é isso: tudo pronto. A vida é o contrário: processo de formação, deformação, indefinição. E eu cansei, cansei da falta e da presença. Quero não saber se o verso vai ser de amor ou de raiva a ti. Quero, que de alma, que de um ardor aqui dentro, saiam apenas palavras soltas, livres, sem início nem fim. Entende? Eu cansei de interagir, mas continuo querendo que o outro lado seja vivo pra mim. Por isso não quero plaqueta pra definição pedindo que o outro lado seja preso ao que eu já sei. Eu quero que ele seja livre para o nome que vir, e não precisar mais me preparar para o fingimento contínuo, retilíneo, determinado, que a vida não deve ser, nunca.

R.A (26/06/10)
E eu gostei tanto de ti, sabia? Gostei, sim. Cada dia, cada minuto, em cada canto, gesto, gosto, inevitáveis atos da vida. E eu gostei tanto, mas tanto mesmo, que tu nem foste projeção alguma. Foste tu mesma. De carne e osso. E já passava de amor, e de carinho, e de ardor, era mais... Era da alma. Sabe o que aconteceu? Eu carecia de algo que faltava em ti também, e nós éramos duas perdidas do amor que se tem ou não se tem na vida. Nós não tínhamos. Por isso gostei tanto de ti. Porque a tua falta era a minha falta. E tu não podias preencher nada em mim, enfim. Sabe, isso doeu. Mas acredite, eu superei. Superei! Mas tive que começar de cada fio de sentimento meu, porque cada um deles ainda procurava em ti o que tu procuravas no mundo também. Sabe a conclusão que eu cheguei disso tudo? Eu gostei tanto de ti que volta e meia me pego esquecendo da falta que aquele amor me faz, pois já careço mais é de ti...

R.A (28/05/10)

Ausente por dentro

Eu me sinto ausente. Ausente mesmo, não vazia. Vazia é feio demais para a beleza que eu tenho aqui. Beleza de amor, pode ser. Mas ausente. Ausente é uma palavra tão ausente de dor, né? É, é isso que eu sinto. Ausência de dor! Ausência de mim! Ausência de ti! Eu sinto falta das pessoas, das conversas, de tudo. Eu sinto falta dos detalhes! Dos teus detalhes! Dos nossos detalhes! E eu me sinto deixar tudo, tudo de lado. Não tenho mais lágrimas, não escrevo mais em versos, não espero mais ninguém pela manhã, nem me espero mais pela manhã. E chega a tarde, foi-se o dia! E eu aqui, cada vez mais distante. Porque nós éramos, eu era, tanta dor, e tanto amor, e eu era tão eu, tão cheia de esperas e de palavras para jogar no papel. E agora eu aqui, sem dizer é nada, só querendo mesmo é dizer que ando tão ausente por dentro, porque sei lá onde eu ando, sabe... Só sei que longe de ti, longe de tudo, enfim, longe.

R.A (03/05/10)
A mudança já está nos gestos, nos gostos, nos sabores. Literalmente mesmo! Eu mudei por inteiro, até o último pedaço de alma. Mudei nas palavras, no andar, nos encontros, nas perdas, nos ganhos. Mudei no jeito de amar, no jeito de não gostar, nos gestos de prazer. Mudei no dizer "te amo", mudei no silêncio de omitir tal amor. Mudei, enfim, de corpo e alma. E que esta alma seja tão minha quanto tua, porque hoje sou amor por inteiro.
R.A (17/07/10)
Sim, confesso: não sei dizer por que escrevo. Ou, ainda, talvez saiba. Saiba, sim. Mas nada que possa ter certeza, porque ao mesmo tempo que sou preenchida pelo sim, sou preenchida pelo não, não sei. Talvez seja fase, talvez seja nada, nem fase, nem nada. Talvez seja necessidade, ou talvez, também, necessidade alguma exista. E, talvez ainda, seja mais que necessidade: seja amor. Essa mistura de sei lá o quê que cai no papel como tinta e vai preenchendo cada espaço, até deixar tudo tão escrito, borrado, que a garganta desaperta, o ar volta, e aquele bando de espaços e furos sem nada desaparece de vez...
R.A 21/10/10